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Renovação judicial da locação comercial

  1. Introdução.

A Constituição do Brasil (CRFB/1988) definiu que o Poder Público tem como uma de suas muitas incumbências proteger ‘‘A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa (…)’’ (artigo 170). Ao mencionar economia e livre iniciativa que surge a ideia de mercado, que, por sua vez, faz referência a duas outras ideias: a de atividade comercial (a empresa, principalmente) e ao contrato.

Uma das formas que aquele que desenvolve atividade comercial costuma utilizar para afastar ônus e deveres que demandam um gasto econômico é a locação de imóvel onde criará o seu espaço físico. É dizer: o contrato de locação de imóvel, especialmente o urbano, se torna parte do dia a dia do mercado.

Com a finalidade de tratar especificamente dos contratos de locação de imóvel urbano que surge a Lei do Inquilinato (lei n. 8.245/1991), que trata não apenas dos contratos citados, mas dos procedimentos judiciais pertinentes (despejo, revisão e consignação de aluguel, renovação).

Dentro desse mundo regulamentado pela Lei do Inquilinato que este texto tratará da chamada renovação locatícia, em particular aquela levada ao Judiciário.

  1. Renovações locatícias.

Como exposto em outra oportunidade, contrato é negócio entre duas ou mais partes e que se volta a regular questões patrimoniais[1]. A locação urbana é uma espécie de contrato, precisamente um negócio pelo qual uma das partes cede, temporariamente, o uso, ou uso e fruição de um imóvel urbano, a outra parte cabendo contrapartida em dinheiro ou outro tipo de prestação avençada[2].

Como a lei n. 8.245 estabelece, duas podem ser as finalidades da locação de imóvel urbano: comercial (ou não residencial) ou residencial[3]. A lei menciona tão somente a medida de renovação dos contratos de cunho comercial, nada tratando de renovações residenciais.

Uma primeira informação fundamental sobre o tipo contratual tratado é que nem toda renovação ocorre judicialmente. Das lições de F. C. Pontes de Miranda[4] que se entende que a renovação locatícia pode ser de duas espécies: (i) por força do contrato, ou seja, em razão de previsão de cláusula de renovação ou outro contrato; ou (ii) por força de decisão judicial, esta seguindo o procedimento de renovação previsto na Lei do Inquilinato.

Em síntese, nada impede que haja a chamada renovação contratual, que ocorre por meio de cláusula contratual ou outro contrato, ainda mais útil para aquelas locações urbanas de caráter habitacional.

Sobre a renovação judicial, esta tem previsão nos artigos 58, 71 a 75 da lei n. 8.245/1991. Existe um diálogo de tais previsões sobre o processo judicial com os artigos 51 a 57 do citado diploma legal, estes tratando das linhas gerais do contrato comercial.

Surge a dúvida central: como se faz para renovar a locação pela via judicial?

A lei n. 8.245 estabelece diversas exigências para que a parte inquilina permaneça no imóvel mediante imposição judicial contra a parte locadora. Tais exigências estão em moldes incompletos nos artigos 51 e 71 da referida lei e podem ser resumidos da seguinte maneira:

  1. o contrato atenda forma e tempo específicos e a manutenção do seu objeto;
  2. os figurantes do contrato a ser justaposto;
  3. o cumprimento dos deveres contratuais explícitos e implícitos; e
  4. o plano renovatório.

Mencionou-se que a Lei do Inquilinato estabelece exigências de forma incompleta. Justifica-se tal incompletude ante a ausência de previsão expressa do exercício do direito à renovação antes da judicialização. Diz-se interpelação aquele ato por meio do qual uma parte pretende algum comportamento (dar, fazer ou não fazer) de outra[5]. É a prova do manejo da interpelação extrajudicial fundamental para (i) justificar a busca da via judicial; e (ii) afastar eventuais condenações a ressarcimentos e honorários de sucumbência para caso de acordo entre as partes locadora e inquilina.

Sobre o primeiro fundamento da interpelação extrajudicial, sabe-se que uma das características do Judiciário (e pouco observadas pela advocacia brasileira) é seu caráter subsidiário, eis que uma das exigências das chamadas ações processuais judiciais é o interesse processual, que compreende a prova da necessidade de atuação judicial para adequar certo caso ao que estabelecido no sistema jurídico[6].

Interpela-se para provar que houve tentativa extrajudicial de renovação e que ela restara infrutífera, sendo a via judicial aquela necessária e apta a proporcionar uma situação conforme o direito à renovação.

O segundo fundamento para a interpelação diz respeito ao afastamento de condenação a ressarcir custos processuais ou a pagar a verba sucumbencial para caso o processo tenha um fim que não uma decisão judicial de mérito. Acordos podem ocorrer no decorrer do processo, o que faz com que haja a chamada perda do objeto (atingiu-se a finalidade sem decisão judicial), e isso pode atrair a previsão contida no Código de Processo Civil de que ‘‘Nos casos de perda do objeto, os honorários serão devidos por quem deu causa ao processo’’ (artigo 85, § 10).

Interpela-se para afastar a causalidade processual: prova-se que quem dá causa ao processo judicial não é quem propõe a medida, mas quem deixou de atender ao ato extrajudicial de renovação locatícia. Por consequência, a parte inquilina tem evidência para afastar consequências legais citadas, eis que não deu causa ao processo.

Sobre o contrato, a legislação determina que seja escrito e tenha prazo mínimo de 5 (cinco) anos. Em relação ao prazo, ele pode ser previsto em um único contrato ou na somatória contínua de contratos escritos sucessivos.

Em relação ao chamado objeto, a Lei do Inquilinato quer dizer que a atividade desempenhada no imóvel seja a mesma ou no mesmo ramo pelo prazo mínimo de 3 (três) anos ininterruptos. Melhor dizendo, a parte inquilina deve provar que desenvolve a atividade prevista no contrato, ou atividade no mesmo ramo, no último triênio.

Sobre os figurantes, a lei n. 8.245 quer estabelecer quem serão as partes do processo judicial que sofrerão com as consequências de uma decisão relativa à pretendida renovação locatícia. Tais partes podem ser ou (i) aquelas que constaram no contrato como partes locadora e inquilina; ou (ii) aquelas que sucederam por força de contrato ou de lei na relação contratual.

Em relação à terceira exigência legal, incumbe à parte inquilina comprovar que tanto os deveres contratuais quanto os deveres legais estão em dia. Cabe provar, p. ex., que os aluguéis e as despesas ordinárias estão cumpridos, que a finalidade dada ao imóvel foi e ainda é atendida.

Sobre a última exigência, cabe à parte inquilina apresentar em juízo o chamado plano renovatório, que consiste no ‘‘novo contrato’’ que surgirá com a decisão judicial. É dizer: o plano renovatório são as cláusulas contratuais que serão impostas judicialmente caso haja acolhimento do pedido de renovação.

Em relação ao trecho acima que se vê a renovação da locação de imóvel urbano para fins comerciais não como um contrato prorrogado, mas como um novo contrato, ou, melhor dizendo, um contrato sobreposto a outro[7]. A decisão judicial que reconhece o direito à renovação tem como principal característica a constituição, eis que o Judiciário substitui a vontade da parte locadora e impõe sobre os então contratantes, locador(a) e inquilino(a), um novo contrato, constitui um negócio[8].

  1. Conclusões.

Este texto estabeleceu algumas linhas gerais sobre a renovação dos contratos de locação de imóveis. Viu-se que a ideia de renovação da locação pode decorrer de previsão contratual (em cláusula ou contrato apartado) ou de decisão judicial.

Com o adequado assessoramento é que muitas mazelas eventualmente sofridas pela parte inquilina podem ser eliminadas ou minimizadas. Na discussão contratual, a elaboração de uma cláusula ou de um contrato que contemplem a renovação; judicialmente, na devida orientação do Judiciário sobre o cumprimento das diversas exigências legais para exercício da renovação judicial.

Particularmente sobre a renovação judicial, muitas são as exigências, sendo que a prática agrega ao teor legal a necessidade de solução prévia à etapa judicial, o que acontece por meio de interpelação na qual a parte inquilina busca a renovação.

Soma-se à tentativa de solução prévia as múltiplas previsões legais que exigem da parte inquilina um conjunto de provas sobre o contrato, sua continuidade e o atendimento da sua finalidade, bem como dos diversos deveres previstos no contrato e na legislação, cabendo ainda a apresentação de um plano que servirá de novo contrato a ser criado judicialmente.

Se inevitável a via judicial e houver proteção da parte inquilina, a decisão proferida pelo Judiciário terá como principal característica constituir um novo contrato, que será a ‘‘nova lei entre as partes do processo’’.

Autor: Felipe Bizinoto Soares de Pádua, Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público de São Paulo (IDPSP) (2022). Pós-graduando em Direito Empresarial pela Universidade Corporativa Vezzi, Lapolla e Mesquita (2022-). Pós-graduado em Direito Constitucional e Processo Constitucional, em Direito Registral e Notarial, em Direito Ambiental, Processo Ambiental e Sustentabilidade, tudo pelo Instituto de Direito Público de São Paulo/Escola de Direito do Brasil (IDPSP/EDB) (2019). Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (FDSBC) (2017). Advogado. E-mail: felipe.bizinoto@cskadvogados.com.br.

[1] PÁDUA, Felipe Bizinoto Soares de. O contrato de factoring e algumas das suas implicações. Revista de Direito Privado, São Paulo, v. 112, abr.-jun./2022, p. 86.

[2] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado: tomo XL. São Paulo; RT, 2012, p. 59.

[3] Entende-se que deveria constar habitacional, eis que residência faz referência a um local onde pode não haver ânimo de permanecer (desconstituindo o domicílio) e, também, pode envolver não apenas locais onde o sujeito usa como casa, mas outros locais onde, p. ex., exerce sua profissão.

[4] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado: tomo XLI. São Paulo; RT, 2012, pp. 65-66.

[5] BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 936.

[6] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 259-260.

[7] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado: tomo XLI. Cit., pp. 57-58.

[8] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado: tomo XLI. Cit., pp. 371-372.