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Pacto antenupcial

Há alguns dias, levou-se a público notícia de um casal que estabeleceu no chamado pacto antenupcial penalidade, ou multa, para o caso de um dos envolvidos (os agora cônjuges) descumprir com deveres matrimoniais, especificamente o dever de fidelidade [1].

Como bem definido na notícia, o nome que melhor atende à situação daquelas pessoas que pretendem casar (os chamados nubentes) é pacto pré-nupcial, ou antenupcial (= antes das núpcias), eis que a legislação determina que tal negócio seja feito antes do casamento.

No Brasil, o pacto antenupcial encontra grande parte da sua regulamentação no Código Civil (CCB/2002) e na Lei de Registros Públicos (LRP ou lei n. 6.015/1970), trazendo uma visão de que aquela convenção tem reflexos jurídicos para quem casa, mas, também, para terceiros, eis que um dos efeitos do registro (por isso a LRP) é a produção ampla de efeitos jurídicos (a chamada eficácia erga omnes).

Mas, afinal, o que é o pacto antenupcial?

Com suporte na visão de Paulo Lôbo [2], a convenção pré-nupcial é negócio jurídico de Direito de Família por meio do qual as partes nubentes tratam dos seus direitos patrimoniais, especialmente do regime de bens. Como explicado pelo Superior Tribunal de Justiça, no seu Informativo 723, ‘’O pacto antenupcial e o contrato de convivência definem as regras econômicas que irão reger o patrimônio daquela unidade familiar, formando o estatuto patrimonial – regime de bens – do casamento ou da união estável, cuja regência se iniciará, sucessivamente, na data da celebração do matrimônio ou no momento da demonstração empírica do preenchimento dos requisitos da união estável’’.

Com relação às etapas, quem pretende o matrimônio sabe que existem etapas, as quais são tratadas pela lei: a habilitação, quando se verifica se as partes nubentes podem casar, a celebração, quando, habilitadas, as partes participam da solenidade perante autoridade pública (em regra, o juiz de paz), e o que o CCB/2002 define como provas do casamento, que é a etapa de registro dos atos no cartório, a fim de tornar pública aquela relação matrimonial.

Dentro das etapas acima que surge a convenção antenupcial: segundo o Código Civil, ‘‘É nulo o pacto antenupcial se não for feito por escritura pública, e ineficaz se não lhe seguir o casamento’’ (art. 1.653). Vê-se que referido negócio deve ser feito perante o cartório de notas, ou, melhor dizendo, o Tabelionato de Notas, que lavra escritura pública, assim dando a forma ao pacto antenupcial, conforme exigência legal.

Normalmente, o pacto antenupcial é minutado não apenas por escrevente do Tabelionato de Notas, mas por escritório de advocacia, justamente para não se fazer algo genérico e que efetivamente atenda ao interesse das partes nubentes.

Mais ainda: além de exigir forma específica (escritura pública), a lei determina que a feitura do pacto depende da celebração do casamento, o que demonstra que tudo deve ser feito na transição da etapa de habilitação e de celebração.

Uma terceira sujeição surge quando o casamento envolve menor de idade (acima de 16 anos e menor de 18 anos): os efeitos do pacto dependem da aprovação de representante legal, exceto se convencionado o regime da separação obrigatória de bens (art. 1.654 CCB/2002).

Como o Direito passa por diversas transformações, evidente que a figura do negócio pré-nupcial também acompanha tais mudanças, destacando-se a citada notícia que veiculou informação no sentido de uma questão patrimonial interagir com uma questão não patrimonial. É dizer: a fluidez entre patrimônio e não-patrimônio torna-se clara no pacto antenupcial noticiado, que tratou da multa para o caso de traição.

O que se vê é que os nubentes podem convencionar sobre o convívio: desde os deveres conjugais (art. 1.566 CCB/2002) até o regime de bens, o que torna o negócio que antecede as núpcias muito mais amplo que um contrato (que só trata de patrimônio e se limita ao Direito das Obrigações, outra área jurídica).

E é dentro dessa ampla autonomia negocial dada aos nubentes que assuntos vários podem ser tratados no que virá a ser família (decorrente do casamento): o Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial n. 1.922.347) analisou caso no qual pacto pré-nupcial era mais restritivo que a lei, protegendo-se a vontade das partes nubentes ao tempo da celebração do pacto e do casamento.

Ainda sobre os regimes de bens, a convenção pode conferir maior amplitude do que a lei, eis que as partes têm ampla autonomia para tratarem das questões que regerão seu matrimônio [3]. Claramente, as partes devem escolher um regime previsto na lei (comunhão parcial ou universal, separação ou participação nos aquestos), todavia isso não significa apenas uma escolha do que a lei prevê, permitindo amplas alterações nas relações patrimoniais.

Por outro lado, lavrado o pacto e celebrado o casamento, múltiplos registros em múltiplos cartórios devem ocorrer: a LRP determina o registro do ato na matrícula do casamento (art. 29, II), o registro ou averbação na matrícula imobiliária (arts. 167, I, 12), II, 1)). Como explicado, o intuito é a produção dos efeitos jurídicos contra os cônjuges e contra terceiros. Associa-se esse efeito da publicidade do registro à não alegação de cumprimento da lei por não a conhecer (art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). A ficção jurídica de que a publicidade legal impede o desconhecimento também se aplica ao registro previsto na LRP, inclusive aos pactos antenupciais.

Autor: Felipe Bizinoto Soares de Pádua, Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público de São Paulo (IDPSP) (2022).Pós-graduando em Direito Empresarial pela Universidade Corporativa Vezzi, Lapolla e Mesquita (2022-). Pós-graduado em Direito Constitucional e Processo Constitucional, em Direito Registral e Notarial, em Direito Ambiental, Processo Ambiental e Sustentabilidade, tudopelo Instituto de Direito Público de São Paulo/Escola de Direito do Brasil (IDPSP/EDB) (2019).Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (FDSBC) (2017). Advogado. E-mail: felipe.bizinoto@cskadvogados.com.br.

[1] PAIVA, Letícia. Casal pode incluir em pacto pré-nupcial multa de R$ 180 mil em caso de traição. JOTA, São Paulo. Publ. 01/02/2023, 19h 49min. Disponível em: https://www.jota.info/justica/juiza-autoriza-pacto-antenupcial-com-multa-de-r-180-mil-por-traicao-01022023#:~:text=casamento-,Casal%20pode%20incluir%20em%20pacto%20pr%C3%A9%2Dnupcial%20multa%20de%20R,mil%20em%20caso%20de%20trai%C3%A7%C3%A3o. Acesso em 14 fev. 2023.

[2] LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 306.

[3] LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. Cit., p. 307.