O mundo de hoje tem como uma das principais características a rapidez. Pode-se expressar a ideia sob a óptica das dimensões geográficas: ‘’quanto mais avançam as formas de comunicação, menor ficam as fronteiras’’.
Em razão da Internet (a rede mundial de computadores), pessoas do mundo podem trocar informações praticamente em tempo real. Além desse contato, informações são facilmente produzidas e espalhadas: não mais se vive no mundo das enciclopédias, ao menos daquelas em papel.
Segundo pesquisas publicadas pela Casa Civil, do governo federal brasileiro, 155,7 milhões de pessoas no Brasil têm, de alguma forma, acesso à Internet. Como o mundo está mais conectado, debate-se se o acesso à Internet é um direito considerado essencial (ou fundamental), o que aparece, p. ex., no debate sobre a Proposta de Emenda à Constituição brasileira nº 47/2021.
Embora carregue muitas características positivas, fato é que existe um ‘’bombardeamento informacional’’ de quem tem acesso à Internet: redes sociais com múltiplas publicidades, e-mails e muitos outros exemplos que envolvem tantas informações, sobre tantas coisas. Tal situação torna, praticamente, inconciliável o desconhecimento de certos assuntos com a capacidade humana em acumular conteúdo. Mais ainda: esse mundo com muita informação faz com que muitas informações sejam incompreensíveis, principalmente a quem consome um produto ou serviço.
A pressa se torna o principal componente de uma sociedade que demanda simplicidade de informações: em razão do ‘’bombardeio de informações’’, o Direito determina que as informações das ofertas ao mercado de consumo sejam ‘‘corretas, claras, precisas’’, bem como exige que as publicidades sejam veiculadas a quem fornece um produto ou serviço ‘‘de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal’’.
Com a finalidade de tentar conciliar o conflito ‘muitas informações x clareza’ que surge, p. ex., o chamado Visual Law, área voltada a tornar o Direito mais claro a quem o vê (ou lê): as antigas documentações são superadas por desenhos, linhas do tempo, QR-Codes, sinopses, tudo para que o destinatário, leigo ou não, compreenda a informação que se busca transmitir. Dentro desse contexto que muitos contratos são feitos para que consumidores(as) compreendam o que contratam.
A relação Visual Law e contratos faz emergir uma nova experiência, que, infelizmente, advém de situações de pessoas com pouca ou nenhuma instrução escrita: os contratos em quadrinhos. Tal fenômeno é pouquíssimo tratado no Brasil, havendo apenas alguns textos vanguardistas de Nelson Rosenvald acerca do assunto.
Os contratos em quadrinhos surgem do Direito sul-africano, para tornar compreensível a linguagem jurídica e, também, a própria linguagem adotada pelas pessoas no dia a dia. Os escritos ‘‘juridiquês’’ nos contratos ‘‘são densos, complexos e de árdua leitura, mesmo se você for alfabetizado’’.
Com a finalidade de tornar compreensível a qualquer pessoa, em especial àquelas que são consumidoras de serviços e produtos, os contratos em quadrinhos entram como meios de explicar o conteúdo das cláusulas por meio de uma história em quadrinhos: um conjunto de palavras de fácil compreensão com desenhos centrais que tornam evidente o que é o contrato, quais suas partes, o que foi contratado, os deveres e direitos de cada envolvido.
Como protagonista, a Creative Contracts, sociedade empresária sul-africana, a partir de 2016, desenvolveu seus contratos em quadrinhos, especificamente o contrato voltado à contratação de empregados e empregadas para a colheita de frutas cítricas. Parcela desse quadro era iletrada e incapaz de compreender as cláusulas contratuais escritas.
Para além da experiência de contratos que envolvem frutas cítricas, Nelson Rosenvald destaca a grande potência que os contratos em quadrinhos podem ter: ‘’por exemplo, como contratos fornecidos por bancos, seguradoras e outras empresas a seus clientes consumidores’’. E em questão de facilidade na transmissão das informações, o autor ainda expõe que certas experiências de contratos de emprego em quadrinhos ‘‘reduziram em mais de dois terços o número de palavras contidas no contrato de trabalho tradicional’’.
Apesar do discurso do Direito brasileiro ser o da transparência, muito da prática demonstra que os contratos continuam a usar palavras que apenas são de compreensão daquela pessoa que domina o ‘’juridiquês’’.
Como explica a Física Óptica, a opacidade consiste na característica de determinadas matérias nas quais a luz não transpassa. Noutras palavras, opaco é aquilo que não é transparente, aquilo que a luz ‘’não atravessa’’. É justamente essa opacidade que o Direito busca desfazer, tornando compreensível os institutos jurídicos, em especial o contrato.
Ao tratar do Código Civil brasileiro de 2002, Miguel Reale traz lição de que o Direito é linguagem jurídica, mas deve ser linguagem compreensível para qualquer pessoa, justamente para que não haja espectadores e palestrantes, mas que todos e todas sejam protagonistas no exercício dos seus poderes e deveres jurídicos. É com base nessa lição que se remete à potencialidade que o contrato em quadrinhos tem como meio de acesso pelas pessoas à real compreensão do conteúdo das cláusulas contratuais, cumprindo-se, inclusive, com um dever geral de boa-fé, qual seja, o dever de informar.
Os contratos em quadrinhos ‘’se inserem em um fenômeno mais amplo que pode ser descrito como ‘contratos visuais’, nos quais a descrição do escopo e os termos de um acordo por meios visuais – ao invés da palavra escrita – podem ter um impacto benéfico no processo de contratação e na capacidade de valor das organizações’’.
Como ensina Almeida Garrett, em Viagens na Minha Terra, o mundo é feito por Dons Quixotes, que são os que idealizam. Idealiza-se de uma forma a fixar um norte que orienta e que serve de ponto a ser buscado por aquelas pessoas que concretizam a ideia. O contrato em quadrinhos é um meio com grande força para concretizar o ideal de informar adequadamente quem quer que seja, ainda mais sob o ditado do senso comum de que ‘‘uma imagem vale mais do que mil palavras’’.
Como mencionado, o papel de quem faz o Direito é não apenas de aplicá-lo, mas de servir como traduzir a complexidade linguística (que até as próprias pessoas do Direito não entendem). Inserto nesse papel de tradução que surge o necessário debate sobre a reformulação de uma tradição pós-moderna de contratações com longas páginas, com um ‘’bombardeio informacional’’.
Por outro lado, um alerta é fundamental a partir de uma frase atribuída a Albert Einstein: ‘’Tudo deveria se tornar o mais simples possível, mas não simplificado’’ (tradução adaptada de: Everything should be made as simple as possible, but not simpler). Existe certa fronteira entre ciência e senso comum que impedem a quem faz o Direito de deformar o meio jurídico para torná-lo prático, eis que há todo um dever de respeito ao cientificismo, à tradição jurídica e à própria manutenção de Direito como estrutura. Simplicidade e simplificação são figuras distintas: a primeira é tornar a linguagem existente compreensível, enquanto a segunda é deformar a linguagem para que se acomode ao caso.
Entre simplicidade e simplificação, vê-se nos contratos em quadrinhos a simplicidade das ideias contratuais, a possibilidade de traduzir de forma respeitosa as estruturas jurídicas, conciliando tudo isso com a idealização de compreensão por quem contrata (em especial a pessoa consumidora).