A Lei Complementar 155/2016 imprimiu significado jurídico para um conceito há muito tempo usado no mercado de tecnologia e inovação: investidor-anjo.
Normalmente, o termo é utilizado para designar uma pessoa física, com bom conhecimento técnico acumulado em anos trabalhando no mercado. Nesse sentido, o investidor-anjo é identificado por aliar expertise e recursos financeiros, que podem ser postos à disposição de startups, carentes destas qualidades.
O investidor-anjo e a nova lei
A nova lei trouxe um significado mais funcional para a definição de investidor-anjo.
Agora, sua qualificação está relacionada especificamente com o aporte de recursos em sociedade enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte, por um prazo não superior a sete anos.
Esses recursos não integrarão o capital social, e serão destinados exclusivamente a atividades que tenham como finalidade o fomento à inovação e investimentos produtivos.
Assim, de acordo com a lei, o conceito de investidor-anjo pode ser delimitado como pessoa física ou jurídica que realiza aporte de capital por um prazo máximo de sete anos. Como os valores empregados pelos investidores não integram o capital social, não cabe a eles participar do exercício das atividades da empresa, que será desempenhada exclusivamente pelos sócios regulares. Por esse motivo, os investidores não serão considerados sócios, nem terão qualquer direito à gerência ou voto na administração da empresa.
Apesar de se afastar da definição de mercado do investidor-anjo, o conceito jurídico tem o grande mérito de criar uma estrutura que aumenta substancialmente a proteção dos investidores contra eventuais obrigações ou responsabilidades, que usualmente atingem todos os sócios de uma empresa.
A demanda reprimida no mercado de Startups
O investimento anjo é um tipo de investimento que se popularizou bastante nos últimos tempos. O atual cenário econômico recolocou os ativos reais como opção de aplicação de capital relativamente segura e com um bom retorno.
Pode-se falar inclusive em uma demanda reprimida, uma vez que os valores necessários para iniciar este tipo de investimento são muito variáveis, até pequenos perto dos requisitos de alguns fundos de investimento.
Assim, uma das formas que o mercado encontrou para aumentar o acesso às informações e aproximar os agentes participantes foi, por exemplo, através de programas de aceleração, como o InovAtiva Brasil, que oferece suporte e mentoring para os empreendedores, conexão com possíveis parceiros e uma série de outros recursos.
Entretanto, apesar do desenvolvimento robusto do mercado de startups e do crescente interesse dos agentes em participar dele, ainda existiam incertezas sobre a regulação legal da relação entre anjo e startup.
Essa insegurança jurídica dificultou o avanço da relação entre empresas e possíveis investidores, que poderia receber um grande incremento. Além disso, uma regulação jurídica poderia melhorar a expectativa das partes sobre as regras que regem sua relação, criando maior previsibilidade e estabilidade para o negócio.
Com a nova lei, o mercado de startups passa a receber uma regulação específica, que deverá destravar os investimentos e melhorar o alinhamento das expectativas entre os agentes.
Os riscos que envolviam um investimento Anjo
Entre os riscos de maior importância envolvidos na relação entre anjo e startup, que estão sobre o alcance do direito, certamente se destaca o problema da responsabilidade.
A principal preocupação dos investidores diz respeito à responsabilidade dos sócios pelas obrigações da empresa. Quer dizer, é difícil regular a entrada de um novo participante na empresa, como o investidor-anjo, que não esteja sujeito às obrigações de um sócio.
Por causa disso, muitos investidores se mostravam inseguros antes de entrar nas empresas, principalmente pela dificuldade e pelo custo em efetuar uma auditoria completa de uma pequena empresa.
Além disso, nesses casos, em geral, os sócios possuem papel relevante nas atividades da sociedade enquanto pessoas físicas, seja por seus contatos, ou por suas habilidades e competências individuais. Por isso, a capacidade de identificar inconsistências ou fragilidades na atividade da empresa, bem como suas perspectivas, ficava prejudicada.
A nova legislação e a diminuição dos riscos
Nesse contexto, a lei complementar 155/2016 trouxe inovações importantes para o investidor-anjo. Os artigos 61-A, B, C e D criaram regras que aumentam a segurança jurídica para o aporte de capital, não só para empresas de tecnologia e inovação, mas também para microempresas ou empresas de pequeno porte, desde que tenha como finalidade incentivar suas atividades de inovação.
Conforme vimos, uma vez que pela definição jurídica, o investidor-anjo não faz parte do capital social da empresa, ele não será considerado sócio, e portanto, está isento de responsabilidades decorrentes do exercício da atividade empresarial.
O investidor não responderá por qualquer dívida da empresa, prévia ou posterior a sua entrada, inclusive no caso de recuperação judicial, ficando isento da aplicação do art. 50 da Lei 10.406. Assim, mesmo em caso de desconsideração da personalidade jurídica, os investidores-anjos estarão protegidos das obrigações que recaiam sobre a empresa ou sobre os sócios.
Alcançando inclusive fundos de investimento, e sem um valor-teto, o investimento para inovação fica protegido e os investidores-anjo ganham maior segurança para efetuar suas aplicações. Por parte da startup, vale mencionar que existe agora a previsão de permanência mínima do capital investido pelo prazo de dois anos, conferindo maior previsibilidade também para os empreendedores.
Concluímos, portanto, que a nova legislação é muito bem-vinda, visto que irá favorecer a realização de novos negócios, beneficiando, a um só tempo, os investidores e as startups.
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Luiz Sibahi é advogado na área de direito societário e M&A da FTCS Advogados, mestrando em Filosofia do Direito pela Universidade de São Paulo – USP, formado pela Universidade de São Paulo – USP.