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DISTRIBUIR DINAMICAMENTE OU INVERTER O ÔNUS?

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe a possibilidade legal da aplicação da chamada teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, que já vinha sendo aplicada pela Jurisprudência e discutida pelos doutrinadores ¹.

No entanto, não deve a distribuição dinâmica ser confundida com a inversão do ônus da prova. Apesar de alguns autores se referirem aos dois institutos como sendo o mesmo, o caráter dinâmico e, portanto, flexível do ônus da prova não se confunde com a sua simples inversão. Evidente que existe relação entre os institutos, mas cada qual possui diferentes requisitos para sua aplicação.

Nesse sentido, a norma processual foi redigida nos seguintes termos:

Art. 373.  O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

§ 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

§ 2o A decisão prevista no § 1o deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

O Legislador, portanto, incorporou ao Livro Processual teoria que se desvincula das posições processuais ocupadas pelas partes e da natureza da prova a ser produzida. Seu objetivo principal é viabilizar a realização de prova que seria muito difícil ou até mesmo impossível para a parte inicialmente incumbida de seu ônus². Destarte, a distribuição dinâmica da carga probatória depende de dois critérios para a sua aplicação: o primeiro deles é a dificuldade ou impossibilidade de o litigante, a quem tocaria o encargo pela teoria clássica, produzir a prova, e o segundo é a maior facilidade ou condição do outro litigante para a sua realização. Ou seja, é necessário que a parte dinamicamente onerada encontre-se em posição privilegiada.

Segundo a teoria e conforme a norma processual, a distribuição dinâmica do ônus da prova não parte de um critério apriorístico para determinar a alteração do ônus probandi, mas, na essência, estabelece a cooperação das partes na colheita da prova, distribuindo os encargos de um modo tal que possa ou não ser condizente com as demais disciplinas legais eventualmente existentes.

Já a  inversão do ônus da prova, disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, tem sua aplicação limitada aos sujeitos processuais abrangidos pelo subsistema consumerista, sua função é proteger o consumidor em razão de sua vulnerabilidade, conforme segue:

 Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(…)

 VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.

Ou seja, para que a inversão do ônus da prova seja aplicada, é preciso que, segundo a análise do magistrado, o consumidor seja hipossuficiente ou a sua alegação seja verossímil. Existindo a hipossuficiência técnica ou havendo verossimilhança nos fatos narrados, o ônus da prova pode ser invertido, deixando de ser encargo do consumidor-autor a comprovação dos fatos constitutivos de seu direito.

Acontece que a simples inversão do ônus da prova, em determinadas situações, acaba por criar cenários de desigualdade processual ao invés de mitigá-los. Isso porque, diferente da distribuição dinâmica do ônus probatório, nem sempre há considerações a respeito da maior ou menor facilidade que determinada parte tem em produzir a prova necessária, principalmente quando considerada a alternatividade³ dos pressupostos para a aplicação da inversão (hipossuficiência ou verossimilhança).

Dessa forma, defende-se a aplicação da distribuição dinâmica do ônus da prova como forma de contrabalancear regras de disciplinas específicas, como é o caso da inversão permitida pelo Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, a dinamização é mais adequada ao equilíbrio das partes e ao bom resultado do processo do que a simples inversão.

Isso porque a distribuição do ônus da prova, além de suas funções subjetiva e objetiva⁴, também deveria ter como objetivo a facilitação da produção da prova, o que faria com que mais provas fossem carreadas aos autos. Ao passo que os requisitos analisados pela norma consumerista são a hipossuficiência ou a verossimilhança, a norma geral prevista no §1º do art. 373 do CPC analisa a maior facilidade ou dificuldade de cada parte em produzir a prova que originalmente lhe cabe. Assim, a norma do CPC engloba o requisito consumerista da hipossuficiência e se preocupa com aspecto mais importante, que é a maior efetividade na formação do conjunto probatório.

Sob a perspectiva de um processo que se dá em colaboração para obter o resultado justo e não em conflituosidade, a distribuição do ônus probatório que considera a capacidade concreta de produção de provas de cada parte é mais efetiva do que a inversão baseada em uma hipossuficiência genérica ou numa alegação verossímil.

Mas a distribuição dinâmica do ônus da prova mostra-se uma opção melhor não somente por levar em consideração a maior facilidade da parte na produção probatória, mas também por ter suas regras melhor delineadas naquilo que tange a proibição da chamada probatio diabolica, a exigência de que a decisão seja fundamentada e, principalmente, a necessidade de que seja dada oportunidade à parte dinamicamente onerada de se desincumbir de seu novo ônus.

Dessa forma, na medida em que, segundo Antônio Magalhães Gomes Filho, a prova é um “direito subjetivo que possui a mesma natureza constitucional e o mesmo fundamento dos direitos de ação e de defesa”⁵, a aplicação da distribuição dinâmica do ônus da prova, em determinados casos, mostra-se mais condizente com o escopo do processo do que sua simples inversão.


¹ Peyrano é considerado por muitos doutrinadores como o maior divulgador da teoria, segundo ele, “el onus probandi se independiza de enfoques apriorísticos (hecho a probar, rol de actor o demandado) para limitarse a indicar que la carga probatoria pesa sobre quien está en mejores condiciones fácticas, técnicas o profesionales para producir la prueba respectiva (…)”.  PEYRANO, Jorge W. La doctrina de las cargas probatorias dinámicas y la máquina de impedir en materia jurídica. In PEYRANO, Jorge W.; et al. (Coords.) Cargas probatorias dinámicas. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2004,  pág. 75-98


² “A própria experiência demonstra que, ao menos em algumas matérias (contratual, vícios do ato jurídico, prestação de serviços), a uma das partes e não à outra – ou mesmo ao órgão judicial -, é mais cômodo realizar a prova. Por via de consequência, é aquela que deveria desenvolver a conduta diligente e útil ao resultado eficaz”. (DALL’AGNOL, Antônio Janyr. Distribuição dinâmica dos ônus probatórios. 2001. p. 94).


³ Argumentam a favor da cumulatividade dos requisitos os autores CREMASCO, GIDI, dentre outros. A favor da alternatividade, ARENHART, DALL’AGNOL, CAMBI, MATTOS, dentre outros.


O ônus da prova possui duas funções notáveis, uma primeira função subjetiva de determinar uma regra de conduta e uma segunda função objetiva que orienta o julgamento na ausência de provas, diante da proibição do non liquet. O ordenamento brasileiro, assim como todos os de origem romano-germânica, proíbe o chamado non liquet, ou seja, o juiz não pode abster-se de solucionar o conflito, ainda que não tenha formado convicção acerca dos fatos controvertidos. CREMASCO define essa regra, para ela, “uma vez ausente a prova sobre fato fundamental ao desfecho da controvérsia, a sentença de mérito será desfavorável àquele litigante a quem tocava o ônus de prová-lo”. CREMASCO, Suzana Santi. A distribuição dinâmica do ônus da prova. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2009, pág. 31. 5 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997., pág. 84


GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997., pág. 84


JADE LUIZA PIZZO – advogada na FTCS advogados, graduada pela Universidade de São Paulo – USP