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Os impasses concorrenciais na trajetória de Startups

Startup ainda é um conceito bastante impreciso, que pode ser usado para designar qualquer empresa que esteja em estágio inicial. Apesar disso, é muito comum associar o termo a empresas de inovação tecnológica, atuando em condições de pouca previsibilidade de mercado. É uma combinação intensa, que conta ainda com jovens empresários em busca do seu unicórnio, como são conhecidas as startups que alcançam um valor de mercado acima de R$ 1 bi.

Para chegar lá, os empreendedores estão dispostos a assumir riscos. Em geral, essas empresas atuam em cenários de grande incerteza, principalmente ao envolver tecnologias disruptivas, quando nem os próprios fundadores sabem aonde sua ideia vai dar. Logo, além dos riscos econômicos, vale destacar os riscos jurídicos envolvidos nessa jornada. Porque ao se aventurar em caminhos que ainda estão longe da regulação normativa, seria muito imprudente deixar de olhar com cuidado como o direito pode influenciar o desenvolvimento de uma startup. Um caso recente, que deixa claro os conflitos que a empresa pode enfrentar, sobretudo do ponto de vista jurídico, é do aplicativo Uber. Neste artigo, pretendemos apresentar brevemente como e porque as empresas de tecnologia e inovação devem se preocupar com as implicações do direito concorrencial em sua jornada

Contudo, muito antes de uma nova empresa se tornar um “Uber”, existem questões que se não enfrentadas corretamente, podem transformar esse sonho em uma vitória de Pirro. Talvez o momento mais delicado nesse processo é o tempo entre a fundação da empresa e a conquista do mercado. Como empresas pequenas, de um nicho específico – inovação e tecnologia – as startups podem não se sentir ameaçadas pela legislação concorrencial. Então, é imprescindível analisar as hipóteses de atuação do órgão regulador – o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) -, e como elas podem influenciar no desenvolvimento das startups.

Em nosso ordenamento, a atividade de intervenção do Estado no funcionamento da economia serve para preservar, sobretudo, mas não apenas, a livre concorrência e a livre iniciativa. O direito concorrencial é um instrumento jurídico criado pelo sistema legal para regular o mercado, em função das diretrizes definidas pelo ordenamento nacional, principalmente nas previsões da Constituição Brasileira. O CADE integra o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, constituído por meio da Lei 12.529/2011, cujo objetivo é justamente proteger os princípios da ordem econômica brasileira e fiscalizar o funcionamento dos mercados.

As questões concorrenciais que uma startup pode enfrentar ficam mais claras à luz do caso concreto. Assim, vale a pena analisar o processo de maturação das empresas de inovação para entender aonde pode aparecer um conflito. Quando se alcança um certo patamar no mercado de tecnologia, inevitavelmente a startup irá enfrentar competição bastante acirrada, principalmente porque trata-se de um mercado com baixas barreiras de entrada. É preciso pouco investimento inicial para começar uma empresa de tecnologia, e justamente por isso, haverá uma tendência à competição predatória quando várias pessoas têm uma mesma boa ideia. Esse cenário representa o ponto de tensão aonde os problemas concorrenciais podem aparecer, do qual o impasse apresenta três saídas possíveis, nem sempre satisfatórias: a manutenção da competição, até que a empresa mais forte prevaleça (“the winner takes all”), a fusão ou incorporação de empresas, que eventualmente deverá ser submetida ao CADE, e a prática de condutas colusivas, com o objetivo de arrefecer a competição.

A primeira saída é bastante demorada e não sugere qualquer atuação da autoridade concorrencial. De fato, é bastante difícil que durante toda a existência de uma empresa de tecnologia ela não participe de operações ou contratos com empresas concorrentes, mas, considerando como ponto de chegada, corresponde à aquisição de posição de mercado fundado na maior eficiência da empresa, e por isso, é excepcionada pela legislação concorrencial. Nesse caso podemos enquadrar (sem fazer uma avaliação mais aprofundada de suas trajetórias) as gigantes da tecnologia, como Google e Microsoft, que criaram seu próprio mercado, deixando os usuários dependentes de seus serviços. Certamente é o ponto de chegada que toda startup almeja, não só pelo volume e porte que essa posição traz, mas por representar a predominância de uma tecnologia sobre todos os seus competidores.

A segunda saída está prevista na atuação do CADE como controle de estruturas. Em nossa legislação, o controle de estruturas decorre, como próprio nome sugere, de eventos que são capazes de transformar a estrutura de um determinado mercado. Esses eventos podem ser entendidos, de modo geral, como operações societárias que alteram a participação de mercado dos agentes que nele atuam. Essa alteração da posição de mercado pode se fundada na maior eficiência do agente – porque seu produto é melhor/ mais barato – ou se dar por mecanismos não naturais – como a incorporação ou fusão entre competidores.

Assim, por exemplo, dois competidores que possuíam individualmente 25% do mercado, após uma fusão, passam a dominar 50% do mercado. Como resultado, eles têm uma capacidade muito maior de definir a oferta e o preço do produto ou serviço com o qual eles trabalham. Por isso, até mesmo contratos associativos estão sujeitos ao controle de estruturas. Neste caso, conforme a Resolução 10/2014 do CADE institui que contratos entre partes horizontalmente relacionadas cuja soma de participação seja superior à 20%, ou partes verticalmente relacionadas cuja soma de participação seja superior à 30%, em relação ao mercado relevante, serão considerados contratos associativos, sujeitos ao controle de estruturas.

Naturalmente, não é qualquer operação ou em qualquer mercado que existe a necessidade de regulação do estado. A lei brasileira privilegiou o critério monetário para estabelecer quando ocorre ou não uma alteração na estrutura do mercado, e, portanto, deve se sujeitar ao controle do CADE. Dessarte, há a obrigação de submeter ao CADE apenas as operações em que pelo menos uma das partes possui faturamento de 750 mi, e a outra parte fatura pelo menos 75 mi. Quando pensamos em startups, por se tratarem de empresas pequenas, o controle de estruturas parece não trazer grandes problemas.

Contudo, o CADE o considera, para efeitos de verificação do faturamento das partes envolvidas, todo o grupo econômico do qual a empresa faz parte, e é exatamente aqui aonde mora o [desconhecido] risco concorrencial. Para fins de direito concorrencial, fazem parte do mesmo grupo econômico qualquer sócio ou acionista que detenha participação no capital social da empresa igual ou superior à 20%. No caso de fundos de investimento, são considerados integrantes do mesmo grupo econômico, para fins de cálculo de cálculo do faturamento, (i) o grupo econômico de cada cotista que detenha direta ou indiretamente participação igual ou superior a 50% das cotas do fundo envolvido na operação via participação individual ou por meio de qualquer tipo de acordo de cotistas, e (ii) as empresas controladas pelo fundo envolvido na operação e as empresas nas quais o referido fundo detenha direta ou indiretamente participação igual ou superior a 20% do capital social ou votante.

Agora, então, a hipótese de submissão de um ato de concentração já não deve parecer mais tão distante. Mais ainda, se a startup participar de uma operação que se enquadre na previsão legal e não a submeter ao CADE, estará cometendo o que os especialistas chamam de gun jumpimg (queimar a largada) e poderá ser multada em milhões por isso. Gun jumping é o termo que designa a consumação prévia de um ato de concentração antes da análise da autoridade concorrencial, e sendo que nosso sistema privilegiou a análise prévia dos atos de concentração, a integração entre as partes anterior ao aval do CADE é considerada ilegal.

A terceira saída, por seu turno, implica num leque muito amplo de possibilidades. Duas empresas concorrentes podem coordenar seus esforços de modo lícito para se tornarem mais competitivas, no entanto, é uma linha tênue que separa esse esforço pela competição em um limite à concorrência. As empresas de inovação e tecnologia não devem esperar um tratamento especial por parte da agência reguladora, não importando seu tamanho ou atividade para fins de controle de condutas. O critério aqui para definir se há um problema concorrencial pode estar ou no objeto da relação entre as empresas concorrentes, ou nos efeitos de sua prática. Por isso, a doutrina costuma diferenciar, no controle de condutas, entre ilícitos por efeito e ilícitos por objeto.

Os ilícitos por objeto são considerados ilícitos per se, prescindindo de análise mais rigorosa. Estão previstos no caput do art. 36 da lei do CADE, e se configuram (i) por prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa, impedindo um novo concorrente de entrar no mercado, por exemplo, (ii) pela conquista não natural de posição dominante de mercado; ou (iii) pelo exercício abusivo de posição dominante. Nessas hipóteses, a conduta será sempre considerada ilícita e será reprimida pela autoridade.

Para a hipótese de ilícitos por efeito, o CADE avalia sua adequação com base na regra da razão, i.e., há uma sopesagem entre os benefícios que tal conduta traz ao mercado em contraposição aos seus malefícios. Dessa forma, a autoridade concorrencial pode entender que tal conduta, apesar de ser de alguma maneira danosa à competição, prevalece pelos efeitos que cria – por exemplo a redução de custos de operação -, prescindindo assim de sanção, ou bastando um termo de cessação de conduta para sua regração. Esta hipótese, entretanto, deve ser avaliada sempre conforme o caso concreto, pois depende das especificidades dos agentes envolvidos e do mercado em questão.

Em qualquer dessas três saídas, existem riscos concorrenciais que as empresas de inovação e tecnologia devem se atentar. Mesmo para o melhor cenário, ao conquistar uma posição hegemônica fundada na maior eficiência, dificilmente se o consegue sem antes passar por operações societárias ou acordos comerciais, inclusive com concorrentes, de modo que as implicações do direito concorrencial devem sempre estar no horizonte dos empreendedores que desejam trilhar esse caminho.